domingo, 31 de julho de 2011

Um olhar pelo percurso da Volta

A Volta a Portugal deste ano tem um percurso bastante interessante. Diversificado, com prólogo, contra-relógio, etapas para sprinteres, etapas para puncheurs e etapas para trepadores. A etapa da Torre será a mais dura dos últimos anos mas não, esta Volta a Portugal não tem percurso mais duro que as anteriores e arrisco dizer que é a mais acessível desde 2006, último ano em que não houve chegada à Torre. Isto, relativamente ao percurso, porque a verdadeira dureza são os ciclistas que a fazem.

Apesar de não ser o mais duro, o percurso da Volta é bom… pelo menos na minha avaliação.

Etapas para todos os gostos

A Volta a Portugal deste ano começa com um prólogo diferente dos anteriores. Enquanto os anteriores (Portimão em 2007 e 2008, Lisboa em 2009 e Viseu no ano passado) davam para os ciclistas desenvolverem andamento (apesar do de Lisboa ter apenas 2,4 quilómetros), o prólogo deste ano tem dez curvas em 2,2 quilómetros, sendo por isso um constante pára-arranca. É das poucas etapas que critico nesta Volta, pois não servirá para ninguém ganhar tempo mas poderá servir para alguém perder tempo significativo numa queda.

No dia seguinte haverá a primeira de cinco etapas talhadas para sprinters. A primeira delas terá final em Oliveira do Bairro, o qual também acho perigoso, com aquele último estreitar de estrada e última curva já nos 300 metros finais. As chegadas a Viseu (5ª etapa), Castelo Branco (6ª) e Lisboa (10ª) são as outras três indicadas para velocistas e a da Sertã (9ª) dependerá de como for atacada a contagem de montanha a 15 quilómetros da meta. É portanto uma Volta com mais oportunidades para os sprinters que as duas anteriores.

A primeira etapa para trepadores chega logo ao segundo dia, a chegada ao Monte da Nossa Senhora da Assunção. Não é uma chegada demasiado dura e nela também poderá ganhar um daqueles ciclistas que, não sendo trepador, se adapta bem a estes finais, um puncheur (lembrem-se que ali em cima, o blog tem acesso a uma lista de expressões de ciclismo). Assim aconteceu no ano passado com Sérgio Ribeiro. De qualquer forma, será a primeira etapa em linha para fazer diferenças entre os aspirantes à vitória na Volta, com a chegada à Senhora da Graça no dia seguinte e Gouveia na quarta etapa em linha.

Na segunda metade de prova, mas mais cedo do que habitual, surge o contra-relógio (sétima etapa) e a chegada à Torre (8ª) e essas etapas estarem longe do final da prova é um dos motivos que me leva a dizer que este percurso é o menos duro desde 2006.

O que faz a dureza de uma prova?

Ao contrário da ideia que nos tentam transmitir muitas vezes, não é o número de chegadas a subir que nos mostra a dureza de uma prova. Chegadas como a de Gouveia não servem para fazer diferenças. Basta pensar no caso da Volta a França deste ano, que tinha a chegada ao Mûr-de-Bretagne e a Super Besse mas não são essas que fazem a prova dura, são sim as etapas de montanha.

Desde 2007, ano em que a Torre voltou a receber a chegada da prova (depois de dois anos de ausência), a Volta tem tido duas etapas de montanha: a da Senhora da Graça e a da Torre. Em 2006, mesmo sem chegada na Torre, a penúltima etapa da Volta foi na Serra da Estrela, passando pelas Penhas Douradas e pela própria Torre, a quase oitenta quilómetros do final. O desgaste no pelotão, por ser o nono dia de prova, era grande e apenas 20 ciclistas chegaram no grupo da frente. 2007 teve o percurso melhor estruturado dos últimos anos. Foi de Sul a Norte, teve a chegada na Senhora da Assunção ao quarto dia e a Senhora da Graça ao sexto, quando os ciclistas já começam a acusar desgaste. A Torre foi apenas no penúltimo dia, isso pesou nas pernas dos ciclistas e ficou demonstrado pelas diferenças feitas. A classificação final apenas se decidiu no último dia, com o contra-relógio de Viseu.
Perfil da 3ª etapa deste ano, com final na Senhora da Graça

Em 2008, a PAD teve uma má experiência. Com a chegada à Torre no terceiro dia, David Blanco ficou logo em excelente posição para ganhar a Volta e nos finais na Senhora da Assunção e na Senhora da Graça apenas teve que controlar a concorrência e se defender de Héctor Guerra, principal ameaça, que terminaria em segundo por 26 segundos. A organização viu o erro e percebeu que a Torre teria que vir depois da Senhora da Graça. Assim foi em 2009 e 2010 e assim será em 2011.

Em 2009 o percurso voltou à forma de 2007, mas com a Senhora da Graça logo na quarta etapa o desgaste era menor. E em 2010 tivemos uma Volta estranha para aquilo a que estávamos acostumados, sem contra-relógio no último dia e com a última etapa de montanha a quatro etapas do final.

A Volta a Portugal que quinta-feira se inicia tem as etapas que poderão ser importantes para a geral demasiado cedo. Senhora da Graça lodo na quarta etapa e Torre na oitava é muito cedo e retira dureza à prova. Uma prova de onze etapas (ou dez mais prólogo) requer boa capacidade de recuperação, não tanta como numa grande volta mas mais do que numa prova de cinco dias. Vimos no Tour recentemente terminado que na etapa do Alpe d’Huez os ciclistas estavam muito desgastados. A etapa tinha pouco mais de cem quilómetros, mas o desgaste estava lá, por todo o corpo dos ciclistas, por ser o 19ª dia de competição. O acumular dos quilómetros, dia-após-dia, é claro factor de desgaste e contribui para endurecer uma prova. Quanto mais cedo estiverem as etapas teoricamente mais selectivas, mais frescos os ciclistas as enfrentarão e quando estiverem desgastados, nos últimos dias, já não importa porque serão etapas com pouco espaço para os voltistas atacarem. Sim, os voltistas, aqueles que além de subirem bem e serem bons contra-relogistas, aguentam o passar dos dias. Ninguém imagina uma Volta a França com Alpes, Pirenéus e contra-relógio a meio da prova e as últimas quatro etapas sem dificuldades, pois não?

E porque está a Senhora da Graça, o contra-relógio e a Torre tão cedo? Para aproveitar os fins-de-semana? Talvez, mas o contra-relógio até está à sexta-feira e se era para isso poderiam colocar a etapa da Sertã na sexta, o contra-relógio no sábado e a Torre no domingo. Excepto no caso das Câmaras Municipais da Covilhã ou da Sertã terem assinado contratos com a expressa condição de que a etapa teria que ser no fim-de-semana. Se assim foi, ok. De qualquer das formas, não me incomoda que as etapas estejam com esta ordem. Mais me aborrece o discurso de que esta é a Volta mais dura dos últimos anos. Até porque a etapa da Senhora da Graça é a menos dura de que me lembro e depois de pesquisar pela internet constatei que será a primeira vez desde 2001 que não haverão contagens de primeira nem de segunda categoria antes da subida final (relativamente a 2000 e anos anteriores não tenho dados). Este ano não haverá subida à Barragem do Alvão, não haverá Alto do Viso, Campanhó ou qualquer outra desse nível.

A etapa da Senhora da Graça terá menos dificuldades de percurso que em anos anteriores, mas o inverso acontece na etapa da Torre, com o Alto Teixeira e as subidas para Penhas da Saúde e Penhas Douradas. Essa sim será uma das etapas mais duras dos últimos anos. De qualquer forma, já sabem, como diz o David Blanco «o que mata não é a bala, é a velocidade da bala», que é o mesmo que dizer que quem faz a dificuldade das provas são os ciclistas.

Perfil da 8ª etapa, com chegada à Torre
Mas e então, acham mesmo que esta é a Volta a Portugal mais dura dos últimos anos? Bem sei que esse discurso é para chamar à atenção, mas preferia que usassem outros aspectos como chamariz. Falta o Algarve, falta o Alentejo e, com excepção da etapa final, o ponto mais a Sul é na chegada a Sertã. Mas é um percurso equilibrado, com oportunidades para todos e com seis finais em circuito, uma das imagens chave da PAD e sem dúvida muito bom para o público que se desloca às estradas para ver. Porque não realçar os atractivos que a Volta tem, em vez de tentar vender gato por lebre?

Ah e por fim, eu que odeio os caminhos de cabras que os ciclistas têm que ultrapassar na Volta a Itália (este ano havia quatro etapas com eles no percurso), tenho que elogiar as estradas escolhidas pelos organizadores da Volta. Não me lembro de alguma vez terem colocado o pelotão em estradas sem condições. Finais perigosos há (ou extremamente perigosos, como o de Viana do Castelo no ano passado), mas não me recordo de estradas más (espero que este ano assim continue).

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Segundo o jornal A Bola de hoje, a Acqua & Sapone já não vem à Volta a Portugal. Aliás, segundo os responsáveis da equipa, eles nunca confirmaram a sua presença. Com a Volta a Burgos e as clássicas italianas, achava estranho que uma equipa com apenas 16 ciclistas também estivesse na Volta a Portugal (até porque há sempre alguns ciclistas que não estão aptos a competir), mas se a organização dizia que sim, quem seria eu para discordar?

Os participantes desta Volta serão o próximo tema principal a abordar.

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Philippe Gilbert venceu ontem a Clásica San Sebastian, depois da Strade Biacnhe, Flèche Brabançonne, Amstel Gold Race, Flèche Wallone, Liège-Bastogne-Liège e Campeonatos Nacionais. Se quiserem falar de etapas, juntem-lhe uma no Algarve, uma no Tirreno-Adriático, uma na Volta à Bélgica (e a geral), uma no ZLM Tour (e a geral) e uma no Tour de France. No mínimo, impressionante!

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Hoje começou a Volta à Polónia, com Tiago Machado, Manuel Cardoso, Nelson Oliveira, Bruno Pires e José Mendes. Durará até dia 6 e será transmitida na Eurosport.

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O Caso Contador volta a ter que ser falado. Inicialmente as audições no TAS estavam agendadas para Junho, depois foram adiadas para Agosto e agora voltaram a ser adiadas para Novembro. Se continuar assim, a decisão final sairá quando o corredor já se tiver retirado. Entretanto, na China, esse país tão democrático e respeitador dos direitos humanos que recebeu os Jogos Olímpicos de 2008, condenou à morte um produtor de porcos que utilizava clembuterol para engordar os seus animais. Mas não se preocupem, porque a execução da pena está suspensa pelo período de dois anos. Se durante dois anos não voltar a quebrar as leis, continuará vivo.

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Continuando sobre Contador e o que o rodeia:
«Este ano não houve uma equipa superior porque havia muita igualdade. Ainda assim, no Tourmalet, num grupo de trinta, Contador tinha cinco companheiros, com Dani Navarro e Chris Sorensen a fazerem um grande trabalho». A frase é de Benjamin Noval na chegada a Espanha depois do Tour e esse grande trabalho deve ter sido naqueles sessenta segundos que demoram os intervalos da RTP N.

«É verdade que sempre se pode melhorar, mas doem as críticas que dizem que [Contador] não tinha equipa, porque as pessoas não vêem o trabalho escondido ou são mal-intencionadas para desestabilizar o grupo.» Onde é que eu já vi um discurso parecido? Há mais pérolas de Noval, como quando afirma que cumpriu a sua missão e por isso está contente. Quando o líder cumpre e vence, a equipa é um bloco e o mérito é de todos. Quando o líder não cumpre, é cada um por si a livrar-se da responsabilidade. Fica mal na fotografia.

Navarro fica melhor, ao dizer que a equipa «era o que era» e faltava boa preparação devido ao desgasto provocado pelo Giro. Mais vale reconhecer que a Saxo Bank esteve muito fraca e procurar os motivos do que tentar tapar o sol com a peneira. Eu alertei antes da partida que, independentemente de Contador conseguir ou não recuperar do Giro e estar na melhor forma no Tour, a tarefa seria mais complicada para os seus gregários. Era previsível.

4 comentários:

  1. Relativamente à dureza do percurso tenho a mesma opinião


    Apesar da etapa da Torre ser a mais dura dos últimos anos não chegará para afirmar que a Volta deste ano é mais dura do que as dos anos anteriores


    A etapa da Senhora da Graça este anos não vai ter metade da espectacularidade pois não estão lá as outras subidas que a antecediam no percurso, logo no final da etapa as diferenças serão pouco significativas, acredito mesmo que o Top 10 da etapa não terá mais de 1 minuto de separação entre o 1º e o 10º


    Nos últimos 10 anos, menos dura que esta talvez a edição de 2005 que foi ganha pelo Vladimir Efimkin

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  2. O próprio Contador que costuma ter o cuidado de durante as provas dizer que confia completamente na sua equipa e de não reclamar após o fim das mesmas, desta vez teve necessidade de dizer que com uma diferente preparação e uma melhor equipa pode-se ganhar o Giro e o Tour. E eu concordo com ele. Lembro de há alguns dias teres criticado a SaxoBank e a BMC porque no dia em que o Andy atacou longe da meta começaram a trabalhar demasiado tarde. A mim o que sinceramente pareceu foi que poucos elementos tinham essas equipas no momento e os que havia estavam no "elástico" e não com capacidade para trabalhar. Mesmo quando reentraram outros e aqueles que já estavam pareciam "bem" só conseguiram manter a distância quando era premente que a reduzissem. O Contador de qualquer maneira não tinha capacidade, mas imaginando que não estava com aquela desvantagem e tinha alguma frescura precisava de uma equipa que não tivesse deixado sair / tivesse apanhado o Andy antes do última subida.
    E não acredito que o Tony Martin seja grande contratação se estiverem a pensar nele como ajuda para a alta montanha e não só para o contra-relógio. Precisam de um Szmyd, pois mesmo que haja Navarro não se pode acreditar que ele consiga estar em óptimas condições nas 2 provas.

    Na volta à Portugal, que afinal é o assunto de hoje, vejo 3 grupos de ciclistas: 1)jovens talentos que ainda não deram o salto e por essa razão vêm cá tipo Guardini e Balloni; 2)Doppados a regressar que como voltam marcados têm que recomeçar bem pelo fundo e como tal têm na nossa prova o nível baixo a que estão obrigados como o Dekker ou o Kashenskin; 3)ciclistas nacionais como o Sérgio Ribeiro, o André Cardoso, o Ricardo Mestre e o João Cabreira que têm nesta altura a única prova que realmente interessa nos seus calendários e mais 1 ou 2 ciclistas que são da casa como o Oleg Chouzda e o Barnabeu.

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  3. Obrigado pelos comentários de ambos.

    João, também não sei como se sentiam os ciclistas e as minhas análises são sempre condicionadas por esse desconhecimento. Eu posso dizer que o ciclista X amanhã deveria fazer isto e aquilo mas claro que, para o fazer, terá que ter forças no dia seguinte. Nesse dia em que critiquei a BMC e a Saxo Bank, fi-lo porque essas equipas demoraram a chegar-se à frente e, mesmo que não conseguissem reduzir tempo para o Andy Schleck, deveriam assumir o comando do pelotão e controlar a distância o melhor que pudessem.
    Eu entendi que não estás a discordar de mim (estás a pena a pegar no tema por outro lado), mas eu também não estou a discordar de ti ;)

    De resto, não tenho nada a acrescentar ao que disseram. Sintam-se sempre à vontade para dar a vossa opinião ;)

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  4. Já tenho ouvido muitas opiniões à cerca da dureza da volta...uns dizem que é muito dura e outros dizem que não.
    Eu concordo contigo apenas a do alto da torre é de maior relevância a da Senhora da Graça é uma interessante etapa mas que não haver grandes mudanças na classificação geral.(Perderam todos pouco tempo.)
    Quanto aos favoritos temos de excluir o Kashenskin, que pelo que me parece terminou o contracto ou rescindiu com a sua equipa.
    Nos sprints será sem dúvida para o Guardini e não vejo ninguém propriamente capaz de o bater,só se for mesmo o Sérgio Ribeiro e um pouqinho o Samuel Caldeira.
    Sobre o Contador não quero debater porque já enjoa tantos bifes, tanta discussão.
    Pedro977 do fórum Pcm-portugal.

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